A grande burla do <i>empobrecer para competir</i>
Um dos argumentos mais utilizados pelo governo, pela troika, pelo patronato e pelos seus defensores nos media para justificar uma maior desregulamentação das leis do trabalho em Portugal (uma das chamadas «reformas estruturais») é que os custos do trabalho no nosso País seriam demasiadamente elevados, o que determinaria a baixa competitividade das empresas portuguesas. Este argumento, de tão repetido, pode acabar por passar para muitos como verdadeiro. Por isso interessa analisá-lo com atenção.
Em 2012, o salário médio em Portugal correspondia apenas a 56,4 por cento do médio da UE e a 51,2 por cento do da zona euro
Utilizando os dados divulgados pelo Ministério da Economia (Quadro 1), entre 2011 e 2014 a remuneração média líquida nominal (não considerando o efeito da subida de preços) dos trabalhadores do sector privado diminuiu 5,7 por cento, mas se se entrar em conta com o efeito da subida preços conclui-se que neste período se registou uma redução do poder de compra destes trabalhadores em 11,5 por cento. Em relação aos trabalhadores da Função Pública (Quadro 2) a evolução verificada ainda foi mais grave, já que a perda de poder de compra sofrida por estes trabalhadores foi o dobro da verificada no sector privado. Entre 2010 e 2014, como consequência do efeito conjugado do corte das remunerações nominais, do aumento enorme de impostos e dos descontos para a ADSE, o poder de compra dos trabalhadores da Administração Pública reduziu-se em 22,1 por cento. E em 2015, apesar da redução em 20 por cento no corte das remunerações, mesmo assim o poder de compra destes trabalhadores continuará inferior ao que tinham em 2010 em 21,4 por cento.
Se a análise for alargada a toda a União Europeia utilizando dados do Eurostat conclui-se que já em 2012 (são os últimos dados disponibilizados pelo serviço oficial de estatísticas da UE), os custos do trabalho em Portugal eram apenas 53,1 por cento da média dos países das UE e 46,9 por cento da média dos países da zona euro. E que o salário médio em Portugal correspondia apenas a 56,4 por cento do médio da UE e a 51,2 por cento do da zona euro. Dizer que os custos do trabalho e os salários em Portugal são a causa da baixa competitividade das empresas portuguesas é enganar a opinião pública.
Mas analisemos esta matéria de uma forma mais pormenorizada. E vamos começar pelas remunerações dos trabalhadores do sector privado. Para isso, vai-se utilizar dados do Ministério da Economia, com os quais se construiu o Quadro 1.
Como mostram os dados do «Inquérito aos ganhos e duração do trabalho» do Ministério da Economia, entre 2011 e 2014 o «ganho liquido médio nominal» dos trabalhadores do setor privado diminuiu em 5,7 por cento, mas se considerarmos o efeito do aumento de preços, o ganho médio real de 2014, ou seja, o seu poder de compra é inferior ao de 2011 em 11,6 por cento. Isto para os trabalhadores que têm emprego, pois para os que foram despedidos ou que não conseguiram arranjar emprego (e são mais de um milhão se consideramos o desemprego oficial e os que deixaram de procurar emprego porque nunca o encontram, assim como o falso emprego), a situação é ainda mais grave pois a quebra nos seus rendimentos foi muito mais dramática.
Cortes na Função Pública
foram o dobro dos do sector privado
Em relação aos trabalhadores da Função Pública a quebra na remuneração real foi ainda maior, pois para além de todas as malfeitorias que sofreram os trabalhadores do sector privado, ainda sofreram um corte nas suas remunerações nominais superior a cinco por cento. Os dados oficiais do Ministério das Finanças (DGAEP) constantes do Quadro 2 provam isso.
Entre 2010 e 2014, os trabalhadores da Função Pública sofreram uma redução de 15,6 por cento no seu ganho médio líquido nominal, mas se se considerar o efeito do aumento de preços, a redução no ganho médio líquido real (poder de compra) é de 22,1 por cento. Em 2015, mesmo com a redução de 20 por cento no corte a que estão sujeitas as remunerações destes trabalhadores, e admitindo que não se verifica qualquer subida de preços, a remuneração média real destes trabalhadores é inferior em 21,4 por cento à que tinham em 2010. Com esta redução a remuneração média líquida real da Função Pública está próxima da do sector privado (+142 euros) apesar de naquela o nível médio de escolaridade e qualificação ser muito mais elevado.
Observe-se os dados do Eurostat do Quadro 3 de empresas com 10 ou mais assalariados.
Como revelam os dados do Eurostat, já em 2012 o custo do trabalho em Portugal era muito inferior ao dos países mais desenvolvidos da União Europeia. O mesmo sucedia com o salário médio que em Portugal correspondia apenas a 56,4 por cento do médio da União Europeia e a 51,2 por cento da zona do euro. Com a redução de salários que se verificou em 2013 e 2014, como mostramos, é de prever que a situação ainda seja pior para os trabalhadores portugueses. Dizer que os custos do trabalho são causa da baixa competitividade das empresas portuguesas como continuam a afirmar o patronato e os seus defensores nos media (recorde-se a oposição dos patrões ao cumprimento da decisão do Tribunal Constitucional sobre o pagamento das horas extraordinárias) é, sem duvida, procurar enganar a opinião pública.
Rendimento médio das famílias
desce em Portugal
e sobe na União Europeia
Como consequência da política de rendimentos imposta aos portugueses pela troika e pelo Governo PSD/CDS, o rendimento mediano equivalente dos membros das famílias portuguesas diminui entre 2010 e 2013, enquanto em quase todos os países da UE aumentou, como mostram os dados do Eurostat constantes do Quadro 3. As únicas excepções foram os casos da Grécia e da Itália.
Em 2010, o rendimento mediano equivalente em Portugal era apenas de 723 euros/mês por membro de família (tenha-se presente que apenas o 1.º adulto vale um sendo atribuído o valor do Quadro, o 2.º só vale 0,7, portanto 70 por cento do valor; e as crianças só contam 0,5, portanto a cada uma cabe 50 por cento daquele valor); repetindo, em 2010, o valor era apenas de 723 euros/mês, o que representava apenas 59,3 por cento da média da UE. Apesar disso, entre 2010 e 2013 o seu valor diminuiu em Portugal 5,9 por cento, pois baixou para apenas 681 euros/mês, enquanto a média na UE aumentou cinco por cento, o que determinou que, em 2013, o valor em Portugal correspondesse apenas a 53,1 por cento da média da UE. Também na área da coesão social Portugal, em vez de convergir para a UE, está a divergir com consequências dramáticas.